"Um olhar sobre os cursos de água do Antropoceno", pela Prof. Doutora Cristina Canhoto
No passado dia 12 de março, as turmas do 11º e 12º anos do Curso Profissional Técnico de Análise Laboratorial (PAL) receberam a visita da Professora Doutora Cristina Canhoto, do Centro de Ecologia Funcional (CFE-UC) e do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, que, através da dinamização da atividade subordinada ao tema “Um olhar sobre os cursos de água do Antropoceno” (FOTO 1), sensibilizou os nossos jovens para a necessidade de conhecer e valorizar os rios como fontes primordiais da vida, guardiões da água e base da sustentabilidade do nosso Planeta.
Começou por sensibilizar os presentes para a escassez das reservas de água doce (cerca de 2,5% da água na Terra) e para as ameaças à sua quantidade e qualidade, consequência do crescimento populacional, das atividades que lhe estão associadas e do aquecimento global. O “olhar” sobre os cursos de água centrou-se nos pequenos cursos de água que representam mais de 86% das redes fluviais e que, apesar de frequentemente ignorados nos mapas, são cruciais para a qualidade da água e para a biodiversidade de todo o sistema fluvial. Em zonas temperadas, estes ribeiros são frequentemente ladeados por árvores (floresta ripícola) que fazem sombra e “alimentam” as cadeias alimentares aquáticas (cadeias alimentares castanhas) através das suas folhas. Esta dependência dos ecossistemas terrestres adjacentes torna-os particularmente vulneráveis à ação humana.
No seu trabalho, a Professora Cristina Canhoto tem dedicado especial atenção aos ecossistemas lóticos (águas correntes), que estão entre os mais afetados do mundo, com pressões crescentes como a intensificação da produção agrícola, a reflorestação com espécies exóticas, a produção de águas residuais e as alterações climáticas. A proteção e recuperação destes ambientes exigem uma abordagem integrada que envolva monitorização, remediação, restauro ecológico e educação ambiental, sendo a participação ativa da sociedade indispensável. Assim, mostrou e explicou o contributo do processo de decomposição da folhada como ferramenta na avaliação da integridade funcional dos cursos de água.
- Inicialmente, ocorre a lixiviação, na qual compostos solúveis são rapidamente removidos das folhas.
- Segue-se o condicionamento microbiano, predominantemente promovido por fungos aquáticos (como os hifomicetes), que amolecem a folhada e enriquecem-na nutricionalmente.
- Por fim, os invertebrados trituradores consomem e fragmentam as folhas condicionadas, transformando o detrito em nutrientes disponíveis e sustentando as cadeias alimentares "castanhas" que caracterizam estes ecossistemas.
Este método – frequentemente aplicado através da técnica dos sacos de decomposição (litter bag technique) – permite que, ao imergir folhas (por exemplo, de amieiro ou carvalho) em diferentes condições de fluxo, se avalie a sensibilidade dos cursos de água às alterações ambientais.
A compreensão deste processo multifásico é crucial para o desenvolvimento de estratégias de monitorização e de recuperação dos ecossistemas aquáticos. Ao integrar técnicas avançadas de análise laboratorial com estudos de campo, como demonstrado pela equipa da Universidade de Coimbra e reforçado por Gonçalves et al, 2016, é possível identificar de forma precoce alterações no funcionamento ecológico dos rios, permitindo intervenções mais eficazes e direcionadas à sua proteção e restauro.
Durante a sessão, os nossos alunos puderam observar os diferentes elementos das cadeias alimentares presentes nos pequenos ribeiros de montanha do Centro de Portugal - folhas outonais, os microrganismos decompositores - fungos aquáticos - que promovem um incremento do valor nutritivo foliar e, por fim, os invertebrados “trituradores” que as consomem. Também puderam folhear uma das ferramentas científico-pedagógicas originais produzidas no âmbito do projeto europeu de ciência cidadã, dedicado ao conhecimento e proteção dos cursos de água -Living River – elaborado pelo grupo de Ecologia de Água Doce do CFE-UC (Free Lab): uma banda desenhada (BD) criada para alertar a comunidade escolar e a sociedade para a necessidade de cuidar e proteger os cursos de água.
No final da atividade, a Professora Doutora Cristina Canhoto deixou o convite, aos alunos do 11º ano PAL, para procurarem conhecer e estudar os ribeiros e rios da sua zona, participar na sua proteção e, se necessário, ajudar na recuperação da sua integridade. A responsabilidade não deve ser só dos órgãos de gestão ou dos investigadores, devendo ser alargada a toda a sociedade e ser uma atitude de cidadania ativa. Assim, sugeriu a técnica dos sacos de malha de rede como forma de “olhar um curso de água”: colocando umas folhas (e.g. amieiro, carvalho) em sacos de rede de malha larga, fechando os sacos com fio de nylon e fixando-os no leito de um ribeiro que corre perto de nós ou num mesocosmos construído na sala de aula (FOTO2) com ou sem invertebrados (FOTO3). De seguida, os sacos são distribuídos por locais com corrente/turbulência distintas e/ou diferentes condições físico-químicas. Após duas semanas, recolhem-se os sacos com as folhas, pesam-se para ver a ação decompositora da biota no material foliar, e observa-se, à lupa e/ou ao microscópio, o que ribeiro oferece!